A vassoura deprimida

Era uma vez uma vassoura que vivia atrás de uma porta. A coitada não era usada como antes. Estava velha, acabada. A dona da casa já não precisava tanto  dela. Um dia, muito triste, a vassoura resolveu desabafar com o pano de chão que estava pendurado num prego.

– Pois é amigo. Um dia eu cheguei nesta casa e tinha muito chão para varrer. Lavava o imenso quintal, vasculhava as paredes, deixava quartos, salas e banheirosbrilhando de tão limpos. Agora, meu amigo, eu sou nada. Veja o meu fim, a minha decadência.

– É, dona vassoura – disse o pano de chão – o tempo passa e chega o dia da aposentadoria. Olhe para mim, eu já estou quase me aposentando. Já estou desfiando nas laterais, tenho um pequeno furo no meio, estou encardido, logo serei substituído por outro novinho em folha.

– Não estou me referindo a estado de conservação, estou falando de erradicação, ser banida, substituída por um tal de aspirador de pó, essa máquina infernal, barulhenta, sem história, sem tradição.

– Mas dona vassoura, isso não é bom? A senhora pode descansar, ficar quietinha aí no canto, sem ter que trabalhar tanto.

– Não, meu amigo.  Não posso parar. Tenho de cumprir a minha sina.

– Amiga, não fique angustiada. Nada nem ninguém pode negar o seu valor na história.  Sabe que você representa o poder feminino de efetuar a limpeza da eletricidade negativa dos ambientes?

– Eu sei, meu amigo… Por isso as minhas ancestrais eram feitas de ramos de louro, arruda, manjericão, alecrim, alfazema. As donas de casa juntavam todas as ervas ou escolhiam uma que amarravam em torno de um galho construindo uma vassoura perfumada para purificar o ambiente.

– Isso é tão bonito, dona vassoura! – exclamou o pano de chão comovido.

– É meu amigo, mas existe o lado oposto.

– Lado oposto?  Que lado é esse?

– Antigamente diziam que nós, as vassouras, éramos avião debruxa. Que as feiticeiras da Idade Média viajavam pelos ares cavalgando as vassouras. A partir dessa crendice a vassoura se tornou, na Europa, um amuleto de poder maléfico.

– Cruz credo, amiga. As vassouras faziam parte do folclore de alguns países, não é verdade dona vassoura?

– Sim, meu caro! Dos romanos aos chineses. Tínhamos significado fálico, afastávamos mau-olhado e pessoas indesejáveis.

– Batiam nas pessoas?

– Não, meu querido. Éramos colocadas atrás de uma porta com o cabo para baixo e o indesejável ia embora rapidinho.

– A senhora sabia que no Brasil existe a Nossa Senhora da Vassoura?

– Ah, está rindo mim, pano?

– Não amiga. É verdade. No Maranhão havia um cartaz-reclame de um determinado remédio representado por uma enfermeira vassourando remédios inúteis, ficou tão popular que terminou sendo a Nossa Senhora da Vassoura que nos livra dos maus remédios.

– Essa é boa, meu amigo!

– Não sei se você sabe, mas a crendice popular diz que cachorro que apanha de vassoura fica covarde e o gato fica ladrão.

– Puxa, você sabe tanta coisa de mim, meu caro pano de chão, que a minha tristeza está começando a passar.

– Fico feliz, dona vassoura. Aposentadoria não é o fim do mundo. Veja quanta coisa boa as vassouras fizeram, ao passo que o aspirador de pó não tem um currículo igual ao seu. Você ainda tem serventia.

E o pano de chão deu uma risadinha ao ouvir a voz da dona da casa dando ordens à empregada:

– Maria, traga o pano de chão e aquela vassoura velha para limpar a casinha do cachorro.

Autor: Maria Hilda de J. Alão

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