João era um homem muito medroso. Morria de medo de doenças, de ladrões e até de fantasmas. Ele tinha muitas qualidades e gostava de trabalhar, fazendo com perfeição belos objetos de barro, mas o medo de não vender o que produzia, o medo de ser roubado, o medo de ficar na miséria, o paralisava.
De tanto medo, quase não saía de casa e evitava amigos. Seus negócios, que já não iam muito bem, piores ficaram quando outro oleiro instalou-se na cidade e roubou-lhe a pequena freguesia que lhe restava. João começou a fazer dívidas e aos poucos os fantasmas que temia passaram a tomar corpo na forma de credores que batiam à sua porta e o ameaçavam com a prisão.
Desesperado, não vendo a saída de seus produtos, João Oleiro resolveu matar-se.
– “Por que não” – pensou ele. “A vida para mim não vale mais nada. Não tenho amigos, não tenho fregueses, não tenho dinheiro nem para comer. Está resolvido: vou me matar”.
Assim que decidiu isso, João parou de se atormentar. Com calma, ponderou que, já que aquele seria o último ato, deveria fazê-lo bem feito. Como não fosse nada preguiçoso, resolveu primeiro fabricar um bom caixão para si mesmo. Lembrou-se de ter visto um velho barco abandonado na beira do rio e, à noite, tomou cuidado para não ser visto e foi buscá-lo.
Em casa, cortou a madeira e o passou o dia todo lixando, martelando e pintando. Já era tarde quando o caixão ficou pronto, muito bem acabado: parecia obra de um mestre. Satisfeito consigo mesmo, João resolveu comemorar. Esquecendo que já ninguém lhe vendia fiado, entrou na taberna e pediu todo cheio de si uma caneca de cerveja.
O taberneiro, diante daquela pose confiante, não ousou recusar, porém ficou intrigado: um homem naquela situação miserável rindo à toa? – “Ali tem coisa”, pensou.
Um dos empregados da taberna lembrou-se de tê-lo visto em atitude suspeita lá no rio.
– Talvez tenha encontrado um tesouro – arriscou ele ao patrão.
João bebeu sua cerveja e voltou para casa. Muito contente, dormiu uma noite cheia de sonhos agradáveis. Na manhã seguinte, acordou, sentindo-se muito bem. Abriu as janelas de sua casa, deixou o sol entrar e decidiu que poderia se conceder mais três dias de prazo antes de se matar, pois queria aproveitar aquela sensação de bem-estar. E, como o seu coração estivesse leve, pegou um pouco de barro e começou a modelar tudo o que lhe vinha à imaginação, sem medo, sem censura.
Trabalhou com gosto e no fim do dia admirou com orgulho a sua produção: vasos, potes lindos, originais, verdadeiras obras-primas.
Satisfeito novamente, João foi à cidade comemorar, mal cabendo em si de felicidade. Seus amigos estranharam aquela atitude e resolveram, no dia seguinte, dar uma espiada em sua casa. E lá dentro viram João que trabalhava assobiando, rodeado de belíssimas peças de barro. Um dos amigos resolveu entrar e oferecer um dinheiro por um dos vasos. Outros logo o imitaram, e assim ele foi vendendo tudo o que produzia.
No fim daqueles três dias, João resolveu permitir-se mais um prazo, pois afinal pensou:
– “Pois se sou eu que vou morrer, posso marcar o dia que quiser. Além disso, estou cheio de encomendas e não quero decepcionar meus amigos. Mais uma semana seria bom”, determinou e continuou trabalhando feliz, criando peças arrojadas.
Não demorou que seus objetos de barro ganhassem fama. O outro oleiro, seu concorrente, não conseguiu segurar sua freguesia: todos só falavam nos inigualáveis vasos de João.
De bem com a vida, é claro que João não pensou mais em morrer. Adiou indefinidamente aquela idéia e tratou de aproveitar sua sorte. Foi ficando rico, pagou suas dividas, casou-se com uma boa moça e construiu para eles uma bela casa. No fundo da casa, guardou com carinho, num quartinho fechado a chave, o caixão que fabricara naquele dia de desespero. A todos ele dizia que lá estava encerrado o segredo de sua prosperidade.
Só muitos anos mais tarde, depois de uma vida longa e venturosa, morreu João Oleiro. Abrindo o quarto secreto, seus netos descobriram que o único segredo da felicidade daquele homem foi ter sabido, um dia, que enterrara seu medo.
Autor Desconhecido.
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