Os Maués dizem que no tempo mais antigo do mundo só havia pessoas e nem um animal. Um belo dia a tribo dos Maués planejou fazer uma festa e até nomeou um dos índios para receber os convidados. Este índio se chamava Hêté-nacop e ficou no meio do caminho para guiar os outros índios. Aí chegou sua noiva. Ele lhe prometeu festa assanhada e comida à beça.
– Olhe, disse-lhe a noiva, estou meio adoentada e não quero festa.
Tudo mentira. O que a noiva estava planejando era chegar ao local da festa antes do noivo para poder namorar outros rapazes. Para isto, fez-se muito bonita: usou urucum, que é semente de planta de onde sai tinta para pintar o rosto. Quanto aos cabelos, achou um jeito de esfregar neles frutas para ganharem brilho. E se mandou para a festa antes do noivo chegar.
Mas este foi avisado por alguém que disse que enquanto ele estava no meio do caminho, a noiva não parava de namorar. O índio duvidou e afiançou que sua noiva estava doente. Na certa quem estava lá era sua cunhada, parecida com a noiva. O informante insistiu na declaração. Então o noivo foi depressa ao lugar do baile e para isto transformou-se em pássaro veloz. O que encontrou ele?
Advinharam: sua noiva numa dança alegre. O índio, furioso, de novo transformado em gente, disse aos convidados no meio do caminho: aviso que nesta festa vai haver grande mudança no que é vivo.
E foi pedir à chuva, ao raio, ao trovão para lhe fazerem um favor. Caiu então na floresta uma tremenda tempestade e toca o noivo a bater em todo mundo. Sem falar que deu uma boa surra na noiva, além de lhe puxar o nariz bem puxadinho. E não é que a bela índia transformou-se em tamanduá-bandeira?
O índio, que era seu parceiro na dança, também teve o nariz puxado, transformando-se em anta com o focinho comprido.
Um índio, que era muito feio, virou morcego e saiu voando. Uma velha tagarela virou mutum. Também outros viraram periquito, saracura, cobras e lagartas.
Sabem como nasceu o jacaré? Nasceu de um índio que abriu uma boca cheia de dentes. Os convidados, em vez de gente, eram um macaco preguiça, a onça, o urubu, o macuco, e nem sei mais quem. Sem falar que uma índia tornou-se capivara, outra gafanhoto, outros sapos, borboletas e grilos.
Uma velha que estava ralando guaraná, quando viu a coisa ficar feia, fugiu com a cuia e pedra de ralar e o guaraná. Mas não houve apelação: a cuia lascou-se e virou casco de jabuti, enquanto o guaraná passou a ser o seu coração. E esta é a origem dos bichos do mar e da terra, acreditem ou não.
Autor: Clarice Lispector
Extraído de:Como nasceram as estrelas
Doze lendas brasileiras