Eram cinco ervilhas dentro de uma vagem, bem verdinhas. A vagem também era verde, e assim pensava que o mundo era verde – e tudo estava em ordem! A vagem cresceu e as ervilhas cresceram. Elas se orientavam pelo que acontecia em volta delas, sentadinhas numa fileira. O sol brilhava e esquentava a vagem por fora, a chuva a fazia ficar clara e transparente. A vida era suave e aconchegante, clara durante o dia, escura durante a noite, e elas foram crescendo e começaram a ficar pensativas, pois alguma coisa teriam que fazer.
– Teremos que ficar sempre sentadas aqui? Disse uma.
– Se não ficarmos duras, sentadas por tanto tempo, sinto que lá fora existe algo, tenho um pressentimento.
Dias passaram e as ervilhas ficaram amarelas.
– O mundo inteiro está ficando amarelo – diziam, e tinham todo o direito de pensar isso.
De repente sentiram um solavanco na vagem. Ela havia sido arrancada por mãos humanas e deslizou para um bolso de um casaco, acompanhada por outras vagens cheias.
– Algo mais acontecerá logo – diziam e esperavam por esse acontecimento.
– Pois eu gostaria de saber quem de nós irá mais longe – disse a menor das cinco.
– Aconteça o que tiver que acontecer – disse a maior.
“Crac!” A vagem abriu e as cinco ervilhas rolaram para fora, para a luz clara do sol. Estavam deitadas na mão de uma criança. Era um menino que as segurava e dizia que eram bem boas para sua espingardinha, e já pôs um lá dentro e atirou-a longe.
– Agora vôo para o mundo! Peguem-me se puderem! E com isso desapareceu de vista.
– Eu, disse a segunda, voarei direto para o sol, essa é uma viagem apresentável, bem do jeito que cabe a mim! E desapareceu.
– Queremos deitar-nos a dormir, onde cairmos, disseram as duas próximas, e mesmo assim continuaremos rolando ainda!
Foram postas na espingardinha e caíram no chão e rolaram, dizendo:
– Nós seremos as que chegaremos mais longe!
– Aconteça o que tiver que acontecer! – disse a última quando foi atirada pela espingardinha. E voou até um pedaço velho de madeira abaixo de uma janela no sótão, bem no meio de uma fenda, preenchida com musgo de uma terra bem fofinha. O musgo fechou-se a sua volta e lá ficou deitadinha, presa, mas não por isso esquecida por Deus.
– Aconteça o que tiver que acontecer, disse ela.
Naquele quarto do sótão morava uma pobre mulher, que saía de dia para limpar fogões, picar madeira e para fazer outros trabalhos pesados desse tipo, pois era forte e trabalhadora. Mas sempre continuava pobre e, em casa, naquele quartinho, ficava sua única filha, que era muito delicada. Já fazia um ano que tinha que ficar deitada, e parecia que não podia morrer nem viver.
– Ela irá para junto de sua pequena irmã, dizia a mulher. Eu tinha duas crianças e não foi nada fácil cuidar delas, mas Deus dividiu o trabalho comigo e tomou uma delas para si. Agora eu gostaria de ficar com a outra, mas ele talvez não queira vê-las separadas, e minha menina doente irá fazer companhia à sua irmã lá em cima.
Mas a menina doente ficava onde estava, deitada o dia todo, tranqüila e paciente, enquanto a mãe fazia os serviços fora de casa.
Era primavera e, num dia, cedo ainda, quando a mãe estava para sair, o sol brilhava tão lindo pela pequena janela e jogava seus raios pelo chão do quarto, que a menina doente dirigiu seus olhos para a vidraça.
– O que será isso tão verde, olhando pela vidraça? Movimentando-se no vento!
E a mãe se aproximou da janela a abriu-a.
– Ah!, disse ela. Isso é uma pequena ervilha que brotou aqui e está mostrando suas folhinhas. Como será que veio parar nessa fenda? Ela será um pequeno jardim, para você se divertir.
E a cama da menina doente foi empurrada para perto da janela, para que ela pudesse ver a ervilha germinando, e a mãe foi ao serviço.
– Mamãe, eu acho que ficarei boa novamente! – disse a menina à noite. O sol brilhou tão quentinho. A pequena ervilha está crescendo tão bem, e com certeza ficarei mais forte também e poderei levantar e passear na luz do sol!
– Quisera, Deus! Disse a mãe, sem acreditar que isso poderia acontecer.
Mas fez um apoio com um pauzinho para o verde que havia germinado, que dera à criança aqueles pensamentos alegres de vida. Para que não fosse dobrada pelo vento, prendeu um pedaço de barbante no peitoril e na parte de cima do batente, para que os braços da ervilha pudessem enrolar-se nele, quando crescesse mais. E ela fazia exatamente isso. Podia ver-se se seu crescimento, dia-a-dia.
– Mas, olha só, agora ela esta realmente fazendo um botão! – disse a mãe um dia, e começou a ter esperança e fé também de que a menina ia ficar boa. Lembrou-se de que a criança estivera muito mais vivaz durante os últimos tempos, que havia alguns dias se esgueirava sozinha da cama, ao acordar de manhã, e ficava sentada e observava com os olhos brilhantes o seu jardim, que consistia numa única ervilha.
Uma semana depois, a menina ficou pela primeira vez sentada fora da cama por uma hora inteira. Feliz, sentou-se na luz do sol, com a janela aberta, e na sua frente, em todo o seu esplendor, a florzinha branca e vermelha da ervilha. A pequena menina curvou-se para lá e beijou de leve as delicadas folhinhas. Esse dia parecia um dia de festa.
– O bom Deus plantou-a e deixou que crescesse para você, criança abençoada, e para minha alegria e esperança – disse a mãe feliz e sorriu para a florzinha, como se fosse um anjo enviado por Deus…
Mas as outras ervilhas… Sim, aquela que voou para o mundo chamando:
“Peguem-me se puderem!”, caiu numa calha e de lá foi para o estômago de uma pomba, como Jonas na barriga da baleia. A duas preguiçosas não chagaram muito mais longe, e também foram comidas por pombas, mas assim pelo menos foram de algum proveito. Somente a quarta, que queria ir para o sol – essa caiu na valeta de esgoto e ficou lá na água podre por dias e semanas engordando bastante.
– Estou ficando tão gorda e bonita! – disse a ervilha. Vou chegar a estourar e mais do que isso, creio, nenhuma ervilha conseguiu fazer. Sou a mais diferente de todas as cinco que estavam na vagem!
E a valeta concordou com ela.
– Eu – disse a valeta de esgoto, ficarei com a minha ervilha!
Mas a menina lá no sótão olhava para fora com os olhos brilhantes, a cor rosada da saúde nas suas faces, juntou suas mãos em volta da flor da ervilha, agradecendo a Deus por ela.
Hans Christian Andersen