A cabana das luzes

Era uma vez um judeu que saiu pelo mundo em busca de justiça. Viu como as pessoas se tratavam mal umas às outras, e como eram cruéis com os animais. Com certeza, pensou, o mundo todo não era assim tão inóspito. Em algum lugar, tinha certeza, devia existir a verdadeira justiça, mas ele nunca a havia encontrado. Então, partiu para uma busca que consumiu a maior parte de seus anos. Foi de cidade em cidade e de vila em vila procurando justiça. Mas jamais a encontrou.

Desta maneira, muitos anos se passaram até que o homem tivesse explorado todo o mundo conhecido, com exceção de uma última floresta muito grande. Entrou nessa floresta escura sem hesitação, pois a essa altura já não tinha medo de nada. Entrou em cavernas de ladrões, mas eles riram dele e disseram:

– Você espera encontrar justiça aqui?

E entrou em cabanas de feiticeiras, mas elas riram e disseram:

– Você espera encontrar justiça aqui?

Então aconteceu que o homem perdeu a noção do tempo em suas andanças. Ao entardecer da véspera de Yom Kippur, o Dia do Perdão, ele chegou a uma cabaninha de taipa que parecia estar a ponto de desmoronar. Pela janela viu muitas chamas tremeluzindo, e se perguntou por que elas estariam queimando. Bateu na porta, mas não houve resposta. Enquanto esperava, reparou que toda floresta tinha ficado silenciosa. Nem um único pássaro estava cantando. Bateu na porta novamente. Nada. Finalmente, empurrou a porta e entrou.

Assim que entrou na cabana, o homem percebeu que ela era muito maior por dentro do que aparentava por fora. Viu que ela estava cheia de centenas de prateleiras, e em cada prateleira havia dezenas de lamparinas de óleo. Algumas dessas lamparinas estavam em suportes de ouro ou prata ou mármore, e algumas estavam em suportes baratos, de barro ou latão. Algumas pareciam cheias de óleo, e as chamas ardiam com fulgor. Mas em outras só havia um restinho de óleo, e parecia que estavam quase se apagando.

De repente um homem idoso apareceu à sua frente. Tinha uma barba branca e comprida, e estava usando um manto branco.

–  Shalom aleichem, a paz esteja contigo, meu filho – disse o velho – O que posso fazer para ajudá-lo?

O homem que procurava justiça respondeu:

– Aleichem shalom, contigo esteja a paz. Fui a todo lugar procurando justiça, mas nunca havia visto uma coisa assim. Diga-me, o que são todas essas luzes?

– Cada uma destas lâmpadas é a luz da alma de uma pessoa – disse o velho. – Enquanto essa pessoa estiver viva, a lamparina continua a arder, mas quando a alma da pessoa abandona este mundo, a lâmpada se apaga.

– O Senhor pode me mostrar a lâmpada da minha alma? – perguntou o homem que procurava justiça.

– Venha comigo! – disse o velho, e abriu caminho pelos labirintos daquela cabana que parecia não ter fim.

Finalmente chegaram a uma prateleira baixa, e ali o velho apontou para uma lamparina num suporte de barro. O pavio daquela lamparina estava muito curto, e sobrava muito pouco óleo. O velho disse:

– Essa é a lâmpada da sua alma.

Ora, o homem olhou para aquela lâmpada bruxuleante, e um grande medo o invadiu. Era possível que o fim estivesse tão perto sem que ele soubesse? Então por acaso ele reparou na lâmpada que estava ao lado da sua. Estava cheia de óleo, seu pavio era longo e bem reto, e sua chama ardia com forte luz.

– E de quem é esta lâmpada? – perguntou.

– Só posso revelar a lâmpada de cada um para a própria pessoa – disse o velho, virou-se e saiu.

O homem ficou ali, encarando sua lâmpada, que parecia estar quase se apagando. De repente ouviu um estalo, e quando olhou para cima, viu uma fumacinha subindo de outra prateleira e soube que, em algum lugar, alguém não estava mais entre os vivos. Voltou o olhar para a própria lâmpada e viu que sobravam apenas umas poucas gotas de óleo. Então, virou-se para a lamparina ao lado da sua, tão cheia de óleo. E um pensamento terrível veio à sua mente.

Afastou-se e procurou encontrar o velho, mas não o viu em lugar algum. Então, ergueu aquela lamparina com óleo, pronto para derramá-lo na sua. Mas, de repente, o velho apareceu vindo do nada, e agarrou o braço dele com um aperto de ferro. E o velho disse:

– É essa a espécie de justiça que você está procurando?

O homem fechou os olhos. E quando abriu os olhos, viu que o velho não estava mais ali, e a cabana e todas as lamparinas tinham desaparecido. Encontrou-se sozinho, em pé na floresta, e ouviu as árvores comentando baixinho o seu destino. Perguntou a si mesmo, será que sua lamparina tinha se apagado? Teria ele também deixado o mundo dos vivos?

 

Afeganistão – Cultura Judaica

Extraído de: Os grandes contos populares do mundo

Tradução de: Beatriz Lobo da Costa, Editora Ediouro

Organização de Flávio Moreira da Costa

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