A floresta mágica

Há muito, muito tempo, no limiar de uma floresta encantada, vivia uma velha com seu filho. Num dia de primavera, o rapaz foi passear no bosque e sentou-se no tronco de uma árvore. Uma bela serpente prateada coleou por entre as raízes e o jovem exclamou:

– Que bela serpente! Gostaria de levá-la para casa como um bichinho de estimação!

No mesmo instante, a serpente se transformou numa linda donzela, de cabelos louros e roupa bonita. – Você me libertou de um terrível feitiço! – a moça disse, tomando cuidado para não abrir muito a boca. Ela era, na verdade, uma serpente que, por magia, assumira a forma humana e sua língua era ainda bifurcada.

Durante todo aquele dia, o jovem perambulou com ela pela floresta encantada e, quando a tarde caiu, lhe propôs casamento. Ela aceitou e ele, então, levou-a consigo para casa. – Esta é a minha futura esposa – o filho disse a mãe.

A mãe sentiu-se feliz pelo filho, até que observou melhor a linda jovem. A velha conhecia bem as maneiras deste mundo e do outro e teve suspeitas. – Cuidado, meu filho – avisou-o. – Acho que esta mulher é uma serpente e que ela tem a língua bifurcada.

O filho ficou furioso. – Você é uma bruxa! – gritou para a mãe, e desde esse dia voltou-se contra ela.

O rapaz casou-se e ele e a esposa passaram a morar com a mãe. A linda mulher tornou a vida muito dura para a velha mãe, forçando-a a todo o tipo de tarefas difíceis. Um dia, a esposa voltou-se para a velha, com um brilho maldoso nos lindos olhos. – Vá ao cimo da montanha – disse à sogra, e traga-me um pouco de neve; quero lavar meu rosto com ela, para conservar minha beleza.

– Vou cair e morrer na montanha! – a velha respondeu, protestando.

– Melhor! – a nora replicou.

A velha não ousou dizer mais nada, porque teve medo de que o filho apoiasse a esposa. Então avançou com dificuldade por entre os caminhos íngremes e rochosos da montanha e lá, bem perto do céu, fez uma pausa, para rezar pedindo ajuda. Mas refreou-se. – Se eu rezar – pensou -, Deus ficará sabendo dos pecados do meu filho. – E, diante disso, a velha mãe se calou. Porém, mas que orações chegaram aos ouvidos de Deus, e a velha voltou para casa, sã e salva, carregando uma pá de neve.

Mais adiante, pela metade do inverno, a jovem esposa sentiu uma vontade louca de comer peixe. – Vá até o lago – ordenou à velha mãe – traga-me um peixe!

– O gelo vai quebrar sob meus pés – protestou a vela – e vou morrer afogada!

-Melhor! – respondeu a esposa rindo, com um brilho maldoso no olhar, e o jovem marido, para agradar a esposa, também riu.

Então a velha enfrentou a neve com o coração pesado. Quando chegou ao lago, o gelo se partiu sob seus pés e ela quase caiu n’água. Queria rezar pedindo ajuda mas não teve coragem. – Deus vai ficar sabendo dos pecados de meu filho! – era o que temia. Nesse momento, uma gaivota sobrevoou o lago, carregando um grande peixe no bico. O peixe escorregou do bico da ave e caiu exatamente aos pés da velha mãe. Ela agradeceu a Deus pela sua ajuda e voltou para casa. A jovem esposa franziu o sobrecenho, despontada.

Algum tempo depois, ao entardecer, a velha sentou junto ao fogo, e pegou as camisas do filho para remendar. A jovem esposa arrancou as roupas de suas mãos. – Você vai estragá-las! – gritou.

Obedeça a minha esposa – o filho disse à mãe e então a velha saiu de casa com o coração partido. Sentou-se sozinha, na varanda gelada, fitando a neve. Finalmente, exclamou em sua dor: – Deus amado, ajudai-me!

Momentos mais tarde, surgiu uma pobre moça da aldeia, carregando um feixe de lenha. Seu casaco estava rasgado e ela tremia de frio. – Precisa de graveto para acender o fogo? – a moça perguntou. Tenho alguns para vender.

– Não, querida menina – a velha respondeu, meneando a cabeça. – Mas venha cá – disse -, vou remendar o seu casaco. E a velha, com presteza, remendou o casaco tão bem, que parecia novo.

– Obrigado, querida mãe – disse a donzela e, agradecia, lhe deu um molhe de gravetos.

Nessa noite, a mulher-serpente e o rapaz foram jantar na aldeia. – Trate de preparar um banho quente para quando eu voltar – a jovem esposa ordenou a velha – e dê comida as galinhas e limpe o galinheiro!-Fiquem sabendo que a moça orgulhava-se de suas galinhas e planejava dar uma festa para toda a aldeia quando os ovos vingassem. Ninguém mais tinha galinhas que botassem em pleno inverno, mas também ninguém fazia feitiçaria.

Depois que o filho e a esposa saíram, a velha acendeu o fogo e foi ao quintal buscar água para preparar o banho. De repente ela ouviu uns risos dentro da casa. Voltou de pressa e qual não foi sua surpresa quando deu com doze anãozinhos, dançando em roda pela cozinha. Seus casacos eram vermelhos como fogo, suas barbas, cinzas como a fumaça e seu olhos brilhavam como brasa.

– Quem são vocês? A velha exclamou, admirada.

– Elfos do fogo! – os homenzinhos responderam. Então começaram a dançar e puxaram a velha para entrar na roda. Em breve ela estava batendo as mãos e dançando com eles, dando graças a Deus por aquela alegria. Sentia-se novamente jovem e feliz e recordou o quanto dançara e cantara com seu marido, em tempos passados. Lembrou-se então do filho e seu coração ficou pesaroso. Sentou-se e todos os elfos a rodearam.

– Qual é o problema? – perguntou o menorzinho deles, cujo nome era Wee Tintilinkie. A velha contou como seu filho estava enfeitiçado pela mulher-serpente então os elfos juntaram suas cabecinhas e pensaram e pensaram. Então Wee Tintilinkie saiu-se com um plano. – Podemos colocar ovos de pega no galinheiro – ele sugeriu. As serpentes adoram pegas, de forma de quando os filhotes nascerem, a mulher serpente vai ficar louca de vontade de comê-los. Vai esticar sua língua bifurcada e isso vai condená-la! – Todos os elfos aplaudiram, satisfeitos com o plano.

Nesse momento, a esposa voltou e os elfos desapareceram no ar, com um rastro de fumaça. Wee Tintilinkie pulou para dentro do fogo.

– Que foi isso? – a esposa perguntou.

– Foi o vento que atiçou o fogo – a velha respondeu.

– Que é isso? – a esposa, desconfiada, tornou a perguntar, apontando para o lume, onde Wee Tintilinkie brilhava como um toco flamejante.

– Apenas carvão no fogo! – a velha mãe explicou. A mulher serpente olhou mais de perto e seu nariz aproximou-se tanto de Wee Tintilinkie, que ele não pôde resistir: torceu-lhe o nariz e ela gritou.

– Que foi isso? – a esposa aos gritos perguntou a velha mãe.

– Cuidado! – disse a velha mãe, contendo o riso. – Há castanhas no fogo!

A esposa retirou-se zangada, falando sozinha, e Wee Tintilinkie correu a procura de pegas.

Logo chegou o dia da jovem esposa convidar toda a aldeia para admirar os pintinhos recém-nascidos. Não se preocupou em examinar a ninhada de antemão e então, no momento em que viu os filhotes de pega, ficou louca de vontade de comê-los. Botou para fora a língua forqueada, estendeu-se no chão se serpenteou em direção as avezinhas. Todo mundo gritou e fugiu. As mães saíram correndo, agarrando os filhos e os pais se benzeram.

A velha mãe voltou-se, triste, para o filho. – Agora você viu o que sua esposa realmente é! – Mas o moço, ainda enfeitiçado pela esposa, estava furioso.

– Você é uma bruxa! – exclamou, gritando com a mãe, e ordenou-lhe que abandonasse aquela casa e nunca mais voltasse.

A velha estava com o coração partido e não tinha mais o menor desejo de permanecer em sua casa. Apenas pediu ao filho que a deixasse ficar até o anoitecer. – Se não for assim, os aldeões interar-se-ão de tudo e falarão mal de você – explicou.

Aquela noite a velha partiu, levando consigo apenas u velho capote e um pequeno maço de gravetos para conservá-la aquecida no inverno. E ao cruzar a soleira de sua casa, o fogo se apagou na lareira e o crucifixo caiu da parede. Nesse momento, o filho compreendeu o grande pecado que cometera, e acabou o poder que a mulher serpente exercia sobre ele. Ele quis correr ao encalço da mãe, mas não tinha coragem, por temer agora a bruxaria da esposa.

-Vamos seguir a velha sugeriu à mulher.

– Vamos – respondeu a mulher-serpente. –Podemos vê-la morrer!

Bem distante, na floresta gelada, a velha parou e acendeu uma fogueira para se aquecer. Quando o fogo pegou, os doze elfos tornaram a surgir, cantando e rindo. Mas viram o quanto a velha mãe sofria e sentaram-se perto dela. Qual o problema? – Wee Tintilinkie perguntou. A velha mãe contou-lhes o que havia acontecido e os elfos, confiando as longas barbas, ficaram muito tempo imersos em profundos pensamentos.

– Vamos procurar o rei da floresta – Wee Tintilinkie sugeriu. – Ele nos ajudará. – Então um dos elfos soprou uma pequena trompa de prata e um majestoso cervo surgiu da floresta. Então outro elfo soprou uma corneta e apareceram doze esquilos. Os elfos montaram a velha mãe no cervo e cada um num esquilo. E entraram na floresta.

De longe, o filho e a mulher-serpente os seguiam.

Bem no centro da floresta crescia um carvalho tão grande que dentro dele cabiam sete castelos de ouro e também uma aldeia. No maior dos castelos,, morava o Rei da Floresta, e os elfos dirigiram-se a ele e lhe contaram a situação da velha. – O senhor pode me ajudar? – a velha perguntou. Do lado de fora, o filho e sua esposa subiram a uma janela e ouviam.

O Rei da Floresta fez um sinal afirmativo. – Sim, posso – respondeu e, com um movimento das mãos, apontou para a aldeia no carvalho. – Olhe! – disse. Para surpresa da velha, ela viu exatamente a aldeia que crescera. Seu pai e sua mãe estavam no jardim, e seu marido vinha andando pela aldeia, exatamente como era quando vinha namorá-la, há muitos anos atrás. – Você só tem que pular a cerca e entrar – disse o Rei da Floresta –, e poderá viver para sempre nos melhores anos de sua vida.

A velha exultou e correu para a aldeia. Então, parou. – Mas o que sucederá ao meu filho? – perguntou ao Rei da Floresta.

Ele riu. – Você nem saberá dele. Você viverá antes dele ter nascido.

– Mas o que vai ser dele? – a velha insistiu.

– Deixe que ele siga seu destino – o Rei da Floresta recomendou.

Então a velha afastou-se da aldeia. – Não posso aceitar seu oferecimento, se isso significa que irei esquecer o resto de minha vida e meu filho.

Nesse instante a floresta estremeceu e ressoou como um enorme sino. O solo abriu-se e engoliu o carvalho com seus castelos dourados. O Rei da Floresta curvou-se diante da velha. – Você escolheu viver sua própria vida, a despeito das grandes alegrias proporcionadas pela magia, de forma que a maldição chegou ao fim e a região esta livre. Então o Rei da Floresta desapareceu com todos os elfos. A jovem esposa soltou um grito estridente e transformou-se novamente em serpente, coleando para dentro de um buraco. Só restaram a mãe e o filho na floresta. O moço caiu de joelhos ante a mãe e implorou-lhe perdão, mas ele nunca estivera contra ele e assim ambos voltaram para casa.

Quando chegou a primavera, o filho apaixonou-se pela jovem vendedora de gravetos. Casaram-se e viveram felizes em companhia da velha mãe. E logo a família de três, cresceu para quatro, cinco, seis, pessoas, porque o filho e a esposa tiveram seus Wee Tintilinkies. E, estes, na opinião da velha mãe, eram suficientemente mágicos.

Conto Croata

Extraído de: …e foram felizes para sempre

Recolhido por: Allan B. Chinen

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