O enforcado

Era uma vez um homem que veio de longe, apoiado a um bordão, como um peregrino, e que, como um peregrino, trazia sandálias de couro e roupas em farrapos. Andou dias e dias, noites e noites, semanas e meses a fio, buscando sabe Deus o quê.

Certa vez as sombras da noite o alcançaram em pleno descampado e ele não saberia dizer se estava longe ou perto de uma cidade, porque uma alta montanha em frente lhe fechava o horizonte. E então, cansado de andar, vendo uma árvore copada, no campo, resolveu nela passar a noite. Descalçou as sandálias, subiu agilmente pelo tronco, acomodou-se entre os galhos e adormeceu, como as aves.

Em torno era tudo silêncio. Pouco a pouco, os animais noturnos, silenciosos, saíram de suas tocas e iniciaram a caça pelos arredores.

Era tarde quando o homem acordou com um rumor de vozes humanas. Depois, ouviu um longo canto e, erguendo a cabeça que tinha apoiado à forquilha formada por dois galhos, viu ao longe pequeninas luzes que ondulavam com o vento, endireitavam-se, iam de um para outro lado; porém, caminhavam evidentemente para o lado onde ele estava.

– “Que será?”, pensou, com um arrepio na espinha.

Ao se aproximarem, reparou que eram homens vestidos com longas camisolas brancas e que levavam velas acesas. Na frente caminhava um padre, com uma cruz nas mãos. O homem empoleirado esfriou.

– “Será procissão das almas?”, pensava, batendo os dentes de medo. Decidiu permanecer imóvel, para que não percebessem que ele estava ali.

Qual não foi, porém, o seu espanto e o seu susto, quando os homens pararam justamente sob a árvore onde ele estava, e um deles falou:

– Qual de nós vai subir à árvore para trazer o homem?

Viu que eles se entreolhavam e que nenhum parecia disposto; no entanto, acabariam por se decidir. E mal pôde falar, de tanto que tremia:

– Ninguém precisa subir. Eu desço.

Nem podia acreditar no que viu em seguida, tão esquisito que lhe pareceu tudo aquilo. Assim que lhe ouviram a voz os homens largaram as velas, o padre jogou a cruz para um lado, e saíram todos correndo, como se tivessem visto, naquele momento, Satanás em pessoa e, atrás dele, um milhão de demônios.

– Santo Deus! – gemeu o homem, benzendo-se.

Pulou da árvore e saiu correndo também, mas em direção oposta à dos outros.
Assim que o dia clareou, o peregrino voltou ressabiado, curioso para ver se descobria o que havia acontecido naquele malfadado lugar.

– Eu com medo deles e eles com medo de mim, essa é boa! – resmungava intrigado.

Foi direto à árvore e correu-lhe um frio pela espinha. Lá estava balouçando no ar um homem enforcado.

Então, compreendeu tudo. Os que iam retirar o criminoso enforcado, para enterrá-lo em algum cemitério, pensaram que fora o morto quem respondera que ia descer.

Mais tarde, quando o peregrino chegou à cidade, havia lá uma grande agitação. Faziam-se grupinhos em todas as esquinas, nas praças, diante da casa do padre.

Ele parou por ali, para ouvir as conversas. Diziam que um enforcado respondia ao que lhe perguntavam.

– Vai ver é alguém que morreu inocente – opinavam.

– É capaz.

– Que aconteceu? – perguntou o peregrino, acercando-se.

– Pois foi um criminoso enforcado, fora da cidade, num angico que há no meio de um campo, e ontem à noite seu padre e os homens das irmandades religiosas foram buscá-lo para fazer o enterro dele, que é falta de caridade deixar um corpo pendurado para os urubus comerem. Pois não é que na hora de irem buscar o corpo, quando confabulavam para ver quem ia subir, o defunto falou lá em cima, que não precisava ninguém subir não, que ele descia!

O peregrino nada disse.

Em suas andanças pelo mundo havia aprendido que às vezes é de boa política ocultar a verdade.

Atravessou a cidade em silêncio, em silêncio se foi, e nunca souberam os habitantes do lugar o que havia realmente acontecido.
Autor Desconhecido.
Se por acaso você conhecer a autoria dessa história, por favor, entre em contato conosco.

 

0 0 votos
Article Rating
Inscrever-se
Notificar de
guest
0 Comentários
mais antigos
mais recentes Mais votado
Feedbacks embutidos
Ver todos os comentários
0
Adoraria saber sua opinião, comente.x
Rolar para cima