Era uma vez, há muito tempo, num país exótico e longínquo um homem de nome Abdul-ben-Fari, que era comerciante de tapetes na cidade de Abjul.
Vivia tranquilamente de seus negócios, que lhe enchiam cada vez mais o cofre e lhe alegravam o coração. Era respeitado como um dos homens mais ricos da cidade e também um dos mais felizes. Mas num dos recantos de seu coração alegre (e não de seu cofre repleto), instalara-se um espinho de tristeza, que crescia e doía, às vezes.
Abdul-ben-Fari tinha um filho, Racib, quase um homem feito. Racib muito o preocupava e o afligia.
Que tristeza para Abdul-ben-Fari, quando espreitava o filho no armazém e o surpreendia a bocejar, sempre às voltas com os infindáveis tapetes que era preciso desdobrar, escovar, limpar e voltar a dobrar, até que aparecesse um comprador que os levasse por mais do que eles valiam! Com que desgosto o pai de Racib via seu filho único correr, mal fechava a loja, até a sombra de um jardim, para, de ouvido no chão, escutar o lento progredir das raízes através da terra, ou o erguer paciente dos caules em direção à luz! E que estranha mania era essa de contar as formigas em um carreiro, pois alguma poderia ter se perdido desde a última vez que por lá passara! E quem viu doidice igual à de se debruçar para dentro de um poço e pronunciar palavras sem fim, que o poço alongava, com uma boca cheia de ecos?
— Alá quis que eu tivesse um filho cabeça de vento – lamentava-se Abdul-ben-Fari – que hei de fazer?
Mas os mestres de Racib tinham apreciado sua inteligência, os vizinhos diziam-no bondoso e os clientes achavam-no amável.
— Talvez não tenha jeito para o negócio de tapetes – observavam alguns – mas isso que importância tem?
Tinha muita importância, imensa importância na conta de Abdul-ben-Fari. Se ele não estivesse sempre atento, o filho era capaz de vender um tapete de Cari-a-Chab como se fosse um trapo de esfregar candeias. Ora, isso tinha importância, pois então!
Um dia, depois de muito matutar, Abdul-ben-Fari chamou Racib, entregou-lhe uma bolsa de dinheiro e disse-lhe:
— Como me parece que não gostas desse negócio de tapetes, nem eu quero a minha ruína, toma esse dinheiro para aplicares no negócio que preferires. Vai para outra cidade, faze o que achares conveniente, e daqui a um ano quero-te de volta com uma fortuna ganha por ti.
Lá foi Racib para outra cidade, de outra terra. Como é que iria arranjar-se? Que fazer com aquela pequena fortuna? A bolsa com dinheiro de seu pai lhe pesava muito, mas ele não se decidia.
— Talvez vender água seja um bom negócio…
No dia seguinte, encheu dois depósitos de água apura, transportou-os para uma das ruas mais movimentadas da cidade e começou a apregoar.
— Quem quer gotas d’água? Quem quer?
A voz cristalina soava alegremente, no meio de pregões gritados pelos outros vendedores, mas ninguém queria gotas de água. Quando se aproximavam possíveis fregueses para encherem uma bilha, um barril ou um balde, Racib os avisava:
— Quero que vejam a água cair, gota a gota. Reparem como brilha ao sol uma única gota, vejam como se arredonda e se alonga até se desprender, deixando outra à espreita no seu rastro. E os círculos que abre ao cair…
Os clientes viviam todos muito apressados e só tinham idéias de dinheiro e ganância na cabeça. Queriam lá saber desses pormenores! E iam embora, resmungando:
— Esse rapaz não tem a cabeça no lugar!
Nesse dia, Racib não fez negócio, nem no seguinte, nem nos outros dias. Talvez fosse mais feliz em outra cidade. E Racib correu muitas terras, tentando vender gotas de água que ninguém queria comprar.
— Vou mudar de negócio, decidiu.
Carregou duas grandes caixas de areia fina para as portas de uma grande cidade, e começou a apregoar:
— Quem quer grãos de areia? Quem quer?
— Quanto pedes pelas duas caixas? Perguntou um homem que passava.
— Só vendo um grão de cada vez, senhor. Repare que a areia, ao longe, parece cinzenta. Mas cada mão cheia contém um milhão de grãos diferentes. Eu tenho nessas caixas grãos azuis, pretos, amarelos, brancos, transparentes. Tenho grãos azulados, rosados, alaranjados… De que cor quer?
Mas o homem já tinha ido embora, enfadado com aquele mercador de coisa nenhuma. Sim, era esse o nome que lhe davam nas cidades por onde passara: Racib, o mercador de coisa nenhuma. Que valor tinham gotas d’água e grãos de areia? Para que serviam?
Ninguém gastava seu tempo e seu rico dinheiro a comprar artigos tão insignificantes. E a voz de Racib perdia-se como gota de água no meio do mar ou como um grão de areia no deserto.
— Vou mudar mais uma vez de mercadoria.
Instalou-se numa cidade, onde não era conhecido, e passou a vender sonhos.
Como fazes para ter sonhos à venda? – perguntou-lhe um grande senhor, que o ouviu apregoar sua mercadoria.
— Durmo, senhor, respondeu Racib.
Quem me dera conseguir dormir… – respondeu o senhor. Há tanto tempo que não consigo dormir e tanta falta me fazem os sonhos! Conta-me um dos melhores sonhos que sonhaste – pediu o senhor.
E Racib contou um lindo sonho, uma longa história que começava pelo meio, voltava ao princípio e não tinha fim.
— Conta-me outro, pediu o senhor, deliciado.
Mais pessoas tinham se juntado à volta. Também elas queriam possuir um sonho só para elas, um belo sonho contado por Racib.
Teve sempre a casa cheia durante muitos meses, tendo por isso ficado muito rico. E quando estava para expirar o prazo de um ano que seu pai lhe dera, montou seu camelo e, segurando firmemente uma pesada bolsa cheia de dinheiro, tomou o caminho de casa.
Só não chegou à casa do pai rico como o mais ricos dos mercadores da Arábia, da Pérsia e da Turquia, porque no caminho, embalado pelo andar pausado do camelo, adormecera, sonhara e, durante o sonho, abrindo as mãos, deixara escorregar a bolsa com dinheiro, que se perdeu no deserto. Mas vocês, que ouviram essa história, sabem que ele conseguiu, pois vocês também sonharam.
Vitória, vitória, acabou-se esta história…
António Torrado