Billy não nasceu aleijado. Ele caiu de uma macieira quando tinha quatro anos de idade e quebrou as pernas. Quebrou-as em vários lugares.
O médico mais próximo morava a um dia de viagem do vilarejo, de modo que as duas curandeiras deitaram o pobre Billy numa mesa, arranjaram umas talas e trataram das pernas dele o melhor que puderam. As pernas ficaram tortas, muito tortas, e daquele diaem diante Billynão pôde mais andar.
Enquanto seus amigosbrincavam de esconde-esconde, davam cambalhotas e movimentavam as pernas, Billy só conseguia se arrastar com a ajuda de muletas. Todo mundo gostava dele, porque Billy era animado, corajoso e aproveitava a vida ao máximo. Os amigos sempre o levavam na carroça para assistir a seus jogos ou participar de suas reuniões.
Quando cresceu, Billy se tornou alfaiate. Ficava sentado em casa, cercado de gente, conversando e rindo. Depois do jantar ia, com suas muletas, até o bar do vilarejo.
No dia de Halloween, ele estava no bar, com os amigos, quando um grupo de jovens entrou, uivando e berrando. Os rapazes usavam vestidos, as moças usavam camisa e calça, e todos tinham rosto preto de fuligem. Assim que chegaram, eles apagaram as duas velas que ficavam nas extremidades do balcão e balançaram suas lanternas na frente dos fregueses.
Billy e seus amigos ficaram olhando para aquelas caras retorcidas pela luz das lanternas – olhos de fogo, bocas grotescas, luz vacilante. Depois de comer e beber, o grupo foi embora, deixando para trás uma sensação de quietude e vazio. Então o dono do bar comentou:
– Eles espantaram os fantasmas.
Um pedaço de lenha sibilou e estalou lareira.
– Deve haver fantasmas no cemitério – alguém falou.
– Não é bom ir lá à noite – acrescentou outro freguês.
– Eu não tenho medo – Billy declarou.
– À noite o cemitério ganha vida – disse o dono do bar.
– Eu não tenho medo – Billy repetiu. – Vou passar à noite lá, costurando.
Risonhos e atentos, os amigos de Billy o levaram para casa, onde ele pegou tecido, agulha e linha; depois o instalaram na carroça de um camponês e o transportaram colina acima, até o cemitério.
– Vamos, Billy! – uma voz o chamou.
O alfaiate sentou-se numa pedra e desdobrou o tecido. À luz do luar ele enxergava o bastante para fazer seu trabalho. E costurou até às onze, costurou até à meia-noite…
– A gente se vê de manhã – várias vozes disseram.
Então Billy escutou um murmurinho que vinha de uma lápide bem atrás dele. O túmulo se abriu, e punhados de areia choveram sobre o alfaiate.
Uma cabeça apareceu e perguntou:
– Está vendo esta cabeça sem carne nem sangue?
– Sim – Billy respondeu. – Estou vendo essa cabeça, mas estou cosurando esta roupa.
– Está vendo este braço sem carne nem sangue?
– Sim – Billy respondeu. – Estou vendo este braço, mas estou costurando esta roupa.
– Está vendo este corpo sem carne nem sangue?
– Sim – Billy respondeu. – Estou vendo este corpo, mas estou costurando esta roupa.
Então um homem enorme, com mais de dois metros de altura, saiu do túmulo. Quando ele começou a falar de novo, Billy terminou a costura, levou o trabalho até a boca e cortou a linha com os dentes.
Foi neste instante que o homem o agarrou com uma imensa mão, só de osso.
O alfaiate se levantou de um salto. Atravessou correndo o cemitério e pulou o muro.
– Está vendo isto? Está vendo isto? – gritou Billy. E correu até chegar em casa, sempre rindo.
Autor: Kevin Crossley-Holand
Tradução: Hildegard Feist