A bruxa da Rua Mufetar

Era uma vez uma bruxa velha que morava em Paris, no bairro dos Gobelins. Era uma bruxa muito velha mesmo, e muito feia, mas o maior desejo dela era se transformar na moça mais linda do mundo.

Um belo dia, ela viu um anúncio no Jornal das Bruxas:

MINHA SENHORA!

Se a senhora é VELHA e FEIA

Pode tornar-se JOVEM e BONITA!

É só

COMER UMA MENINA

Com molho de tomate!

E, mais embaixo, com letras menores:

Atenção!

É indispensável que o nome da menina comece com a letra N!

Ora, naquele bairro havia uma menina que se chamava Nádia. Era a filha mais velha do seu Said, o dono da mercearia da rua Brocá.

“Tenho que comer a Nádia”, pensou a bruxa.

Certo dia, a Nádia estava indo até a padaria, quando uma velhinha começou a puxar conversa com ela:

– Bom dia, Nádia!

– Bom dia, minha senhora!

– Pode me fazer um favor?

– Que favor?

– Queria que você me trouxesse uma lata de molho de tomate da mercearia do seu pai. Assim, não preciso ir até lá. Ando tão cansada…

Nádia, que tinha um coração muito bom, concordou na hora. Assim que a menina virou as costas, a bruxa – pois a velhinha era a bruxa – começou a rir, esfregando as mãos:

–  Puxa, como sou esperta! – ela dizia. – A Nádia mesmo vai trazer o molho de tomate para eu pôr em cima dela.

Chegando em casa com o pão, Nádia pegou na prateleira uma lata de molho de tomate, e já ia saindo quando o pai chamou:

–  Ei, onde é que você vai?

–  Uma velhinha me pediu para eu levar uma lata de tomate à casa dela.

–  Nada disso – disse o seu Said. – Se a tal velhinha estiver precisando de alguma coisa, ela que venha buscar.

Nádia, que era muito obediente, não insistiu. Mas no dia seguinte, quando ela saiu para fazer compras, a velhinha chamou de novo:

–  Como é Nádia! E meu molho de tomate?

–  Desculpe – disse Nádia, corando -, mas o meu pai não deixou. Ele disse que é para a senhora mesmo ir buscar.

–  Está bem – disse a velha – Eu vou.

De fato, naquele mesmo dia ela foi à mercearia.

– Bom dia, seu Said.

–  Bom dia, minha senhora. O que deseja?

–  Eu queria a Nádia.

–  Hein?

–  Ah, desculpe … Quer dizer. Uma lata de molho de tomate.

–  Pois não! Grande ou pequena?

–  Grande, é para pôr na Nádia…

–  O quê?

–  Não é nada disso, eu quis dizer que é para pôr no macarrão…

–  Ah, tudo bem! Se quiser, também tenho macarrão…

–  Não precisa, não, já tenho a Nádia…

–  Como?

–  Desculpe, eu quis dizer que já tenho macarrão em casa…

–  Então… Aqui está seu molho de tomate.

A velha pegou o molho de tomate e pagou, mas em vez de ir embora ficou parada com a lata na mão:

– O quê?

–  Hum! É meio pesado… Será que não daria para o senhor…

–  Mandar a Nádia levar para mim?

Mas o seu Said já estava meio desconfiado.

–  Não, minha senhora, não fazemos entrega à domicílio. E a Nádia tem mais o que fazer. Se a lata é pesada demais para a senhora, paciência, é só deixá-la aqui!

–  Tudo bem – disse a bruxa. – Pode deixar que eu levo. Até logo, seu Said.

–  Até logo, minha senhora.

E a bruxa foi-se embora, levando a lata de molho de tomate. Chegando em casa, ela pensou:

“Tenho uma ideia. Amanhã de manhã vou até a rua Mufetar, disfarçada de vendedora. Quando a Nádia for fazer compras, eu a pego.”

No dia seguinte, lá estava a bruxa disfarçada de açougueira, quando a Nádia chegou.

–  Bom dia, menina. Vai levar carne?

–  Não, obrigada, vou comprar frango.

–  “Droga!”, pensou a bruxa.

No dia seguinte ela se disfarçou de vendedora de frangos.

–  Bom dia, garota, quer comprar um frango?

–  Não, obrigada, hoje vou levar carne.

–  “Droga, droga!”, pensou a bruxa.

No terceiro dia, outra vez disfarçada, ela estava vendendo carne e frango.

–  Bom dia, Nádia, bom dia! O que você vai levar? Veja só, hoje estou vendendo de tudo: carne de vaca, de carneiro, frango, coelho…

–  Pois é, mas hoje eu quero peixe!

–  “Droga, droga, droga!”

Abruxa voltou para casa e ficou pensando, pensando, até que teve outra idéia:

“Tudo bem, já que é assim, amanhã de manhã vou me transformar em TODAS as vendedoras da rua Mufetar!”

De fato, no dia seguinte todas as vendedoras da rua Mufetar eram a bruxa (267 vendedoras).

Como sempre, Nádia chegou e, sem desconfiar de nada, parou na quitanda para comprar legumes. Comprou umas ervilhas e, quando foi pagar, a vendedora a agarrou pelo pulso e clac! Trancou-a na gaveta da caixa.

Felizmente Nádia tinha um irmãozinho chamado Bachir. Como a irmã mais velha estava demorando para voltar para casa, Bachir pensou:

“Decerto abruxa pegou minha irmã, preciso ir atrás dela”.

O menino passou a mão no violão e lá se foi para a rua Mufetar. Quando foi chegando, as 267 vendedoras (que eram abruxa) começaram a gritar:

–   Onde você está indo, Bachir?

Bachir fechou os olhos e respondeu:

–  Sou um pobre ceguinho, queria cantar uma canção para ganhar uns trocados!

–  Que canção? – perguntaram as vendedoras.

–  Quero cantar uma canção que se chama Nádia, onde está você?

–  Não, essa não, cante outra!

–  Mas eu só sei essa!

–  Então cante bem baixinho!

–  Tudo bem, vou cantar baixinho!

E Bachir começou a cantar bem alto:

Nádia, onde está você?

Nádia, onde está você?

Responda que eu escuto!

Nádia, onde está você?

Nádia, onde está você?

Há tanto tempo não a vejo.

–  Mais baixo! Mais baixo! – gritaram as 267 vendedoras. – Desse jeito você vai arrebentar nossos ouvidos!

Mas Bachir continuou a cantar:

Nádia, onde está você?

Nádia, onde está você?

De repente, uma vozinha respondeu:

Bachir, Bachir, venha me soltar

Senão a bruxa vai me matar!

Ouvindo essas palavras, Bachir abriu os olhos, e as 267 vendedoras pularam em cima dele, gritando:

–   É um cego falso! É um cego falso!

Mas Bachir, que era muito corajoso, levantou seu violãozinho e deu com ele na cabeça da vendedora que estava mais perto. Ela caiu dura, e ao mesmo tempo as outras 266 também caíram. Então Bachir foi entrando em todas as lojas, uma por uma, sempre cantando:

Nádia, onde está você?

Nádia, onde está você?

Mais uma vez, a vozinha respondeu:

Bachir, Bachir, venha me soltar

Senão a bruxa vai me matar!

Dessa vez não havia dúvida: a voz vinha da quitanda. Bachir entrou na loja, pulou por cima do balcão, bem na hora em que a vendedora estava acordando do desmaio e abriu um olho. Ao mesmo tempo, as outras 266 também abriram um olho. Felizmente, Bachir percebeu e, com uma pancada de violão bem dada, fez todas desmaiarem por mais alguns minutos.

Então, ele tentou abrir a gaveta da caixa, enquanto Nádia continuava a cantar:

Bachir, Bachir, venha me soltar

Senão abruxa vai me matar!

Mas a gaveta estava emperrada e Bachir não conseguia abri-la. Nádia cantava e o irmão tentava… e enquanto isso as 267 vendedoras acordaram de novo. Mas dessa vez elas não abriram os olhos! Ficaram com os olhos fechados e foram todas se arrastando devagarinho até a quitanda, para cercar o Bachir.

O menino estava exausto e não sabia mais o que fazer. Então ele viu um marinheiro alto, jovem, de ombros largos, que vinha descendo a rua.

–  Bom dia, marinheiro, quer me fazer um favor?

–  Que favor?

–  Levar essa caixa até nossa casa. Minha irmã está presa dentro dela.

–  E o que é que eu ganho em troca?

–  Você fica com o dinheiro e eu fico com a minha irmã.

–  Combinado!

Bachir levantou a caixa e já ia passá-la para o marinheiro quando a vendedora de legumes, que tinha se aproximado devagarinho, agarrou o pé dele e começou a guinchar:

–  Ah, bandido, peguei você!

Bachir perdeu o equilíbrio e largou a caixa. A caixa, que era muito pesada, caiu bem em cima da cabeça da vendedora. Com isso, as 267 vendedoras caíram com a cabeça esmagada. Dessa vez abruxa morreu, e bem morta.

Mas não foi só isso. Com a pancada, a gaveta da caixa abriu e a Nádia saiu.

Ela beijou o irmãozinho, agradeceu, e os dois voltaram para a casa dos pais, enquanto o marinheiro catava o dinheiro da bruxa.

Autor: Pierre Gripari

Extraído de: Contos da Rua Brocá

Livraria Martins Fontes Editora Ltda: 1988

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