As três romãs

Era uma princesa que sabia muito bem o queria. Ela passava as tardes na janela do seu quarto, que ficava num palácio de paredes de prata, que ficava num vale, onde havia um lago, que refletia a luz do sol. Como todas as princesas de verdade, era bela. No seu rosto ela reunia a beleza de todas as mulheres do mundo, e no seu canto havia a melodia nem sequer sonhada pelos corações mais apaixonados. Ela sabia esperar. Príncipes valorosos de todas as partes do mundo viajaram muitas léguas para pedir sua mão em casamento, ajoelharam-se diante dela, prometeram-lhe as riquezas do céu e dos mares. Ela mal escutava suas palavras exaltadas. Esperando outra voz, vinda de um outro lugar, ela os despedia, distraída.

Um dia, preocupado, com tantas recusas, o rei – seu pai – a chamou e ordenou-lhe que escolhesse logo um marido, de acordo com o costume.

– O que deve ser, meu pai – respondeu a princesa -, nem sempre acontece. Eu já escolhi o homem com quem poderei me casar, de acordo com minha vontade. Só não sei bem se está de acordo com a sua.

Dizendo isso, a princesa levou o rei até a janela do seu quarto, mostrando-lhe uma praça com artesãos e mercadorias de todas as cores.

– Está vendo aquele homem sentado traçando um cesto, no meio das palhas, embaixo daquela tenda verde? – ela perguntou, apontando na direção de um canto da praça.

O rei procurou com os olhos e acabou encontrando um homem alto, com a pele queimada de sol, mãos grandes e calejadas de trabalhador, roupas gastas e aspecto rude. Ele não podia acreditar que sua filha preferisse um simples cesteiro em lugar de tantos nobres que a tinham cortejado.

– Senhor meu pai, saiba que é com esse homem que quero me casar e com nenhum outro.

O rei tentou dissuadí-la, mas foi em vão. Vendo que a princesa estava firme em sua decisão, ele disse finalmente:

– Já que é assim, não vou impedir esse casamento insensato. Mas nunca mais você poderá voltar a esse palácio, por nenhuma razão que seja.

A princesa olhou o rei pela última vez, desceu as imensas escadarias do palácio, atravessou os jardins e saiu pelo portão fortificado, deixando para sempre o lugar onde tinha passado toda sua vida. Quando chegou lá embaixo no mercado, caminhou, até a tenda do cesteiro, que se chamava Gambar.

A conversa que se passou entre eles foi muito curta, espantosamente simples.

O cesteiro ficou espantado ao ver a princesa diante dele, sorrindo para ele.

– Vejo-a todos os dias na janela – ele disse -, mas jamais imaginei que fôsse tão bela. Por favor, diga o quer comprar e depois vá logo embora, por que a memória dobreve instante da sua presença guiará os meus dias daqui para a frente.

– Gambar – respondeu a princesa – eu não quero comprar nada, vim até aqui para pedir que se case comigo.

– Mas eu não tenho nada para abrigá-la além da minha pequena casa de taipa – disse Gambar com alegria por dentro da voz.

– Você sabe que eu quero apenas abrigo no seu coração, Gambar. O resto, a gente resolve de algum jeito, você não acha?

Nenhum dos dois disse mais nada. O certo é que desse dia em diante a princesa começou uma nova vida na pequena casa de Taipa, ao lado do cesteiro Gambar. E viviam muito felizes, até que um dia, enquanto conversavam antes de dormir, a princesa disse:

– Gambar, você trabalha muito e não recebe o que merece pelo seu esforço. Veja suas mãos cheias de calor, a fadiga que se apodera do seu corpo todos os dias. E o que você ganha com isso? Muito pouco, não vale a pena tanto sacrifício. Por que não procura um outro trabalho menos cansativo e mais rendoso?

No dia seguinte, enquanto pensava nas palavras da princesa, Gambar encontrou um mercador na praça. O homem viajava pelo mundo com seus animais carregados de mercadorias preciosas e estava procurando um acompanhante para ajudá-lo nas obrigações de todos os dias. Gambar lhe pareceu a pessoa ideal, com seu jeito quieto e confiável, seu sorriso franco e sua disposição para trabalhar. Os dois se entenderam perfeitamente e combinaram seguir viagem na manhã seguinte.

Quando chegou em casa, Gambar abraçou a princesa e contou-lhe a novidade.

– Seguindo seu conselho – ele disse – eu encontrei um trabalho melhor. Vou ganhar muito mais dinheiro, mas para isso terei que me ausentar por um longo tempo, ainda que me custe muito separar-me de você.

– Mesmo sabendo que vou sentir sua falta a cada minuto – ela respondeu – não precisa se preocupar. Eu saberei esperá-lo pensando no dia da sua volta.

Eles foram para a cama e passaram sua última noite juntos antes da partida de Gambar. Amaram-se sem pressa, trocando segredos. Despediram-se quando amanheceu o dia, e Gambar tomou o caminho do mundo, na grande caravana do mercador.

Durante muito tempo viajaram por cidades desconhecidas, florestas, rios e montanhas, até que um dia chegaram a um deserto escaldante. Depois de muito procurarem, encontraram um poço e pararam para descansar.

Enquanto isso, lá na aldeia de Gambar, a princesa deu à luz a uma criança. Embalando o filho nos braços, ela cantava doces cantigas dos seus antepassados e tentava imaginar onde estaria Gambar naquele momento, sem saber do filho que acabava de nascer.

Lá no deserto, Gambar entrou no poço com uma corda atada à cintura, para dar de beber aos animais da caravana. Ele mergulhava o balde na água e o estendia para o mercador, inúmeras vezes, até que todos tivessem bebido. Quando foi sair do poço, aconteceu uma coisa muito estranha. De repente a corda se soltou da sua cintura, como se mãos invisíveis a tivessem desatado, e ele caiu no fundo do poço. Foi caindo vertiginosamente, por um corredor escuro, cada vez mais para baixo, até que chegou a um lugar que parecia completamente seco, onde não se enxergava nada. Foi tateando pelo chão, encontrou uma parede e em seguida a maçaneta de uma porta. Assim que abriu viu-se em uma sala deslumbrante. O assoalho era de ouro, as paredes de lápis-lazúli, o teto incrustado de diamantes e pedras preciosas. Bem à sua frente estavam três jovens sentadas num banco, bordando um tapete com fio de seda de todas as cores. Num canto da sala havia uma mesa, sobre a qual estava uma rã em cima de uma bandeja de prata. A rã não se mexia e olhava sem parar para um jovem que parecia um príncipe, sentado  numa cadeira virada para ela, olhando-a fixamente.

– Jovem estrangeiro – disse uma das moças, interrompendo o espanto de Gambar diante daquela cena inusitada -, temos umas perguntas  para lhe fazer. Quem, dentre nós, é a criatura mais desejável deste lugar? Porque este príncipe não tira os olhos desta rã? Por acaso ela é mais bela do que nós?

– Não existe ninguém melhor para um homem do que a mulher que ele ama – disse Gambar.

Nesse mesmo instante a rã no chão, como que atingida por um raio, se transformou. Sua pele se abriu e de dentro dela surgiu uma jovem tão deslumbrante que as outras pareciam sombras esmaecidas diante dela. A jovem correu para o príncipe e eles ficaram um tempo abraçados, em silêncio. Depois o príncipe dirigiu-se a Gambar:

– Suas palavras desencantaram minha amada, que tinha sido transformada em rã por um feiticeiro que a desejava. Você merece uma recompensa, estrangeiro de alma franca.

Ele ordenou que uma das jovens fosse até a sala vizinha e ela voltou logo depois com três romãs, que entregou a Gambar. Recebendo com alegria o presente, mesmo sendo tão singelo, Gambar de despediu daquelas pessoas e saiu por onde havia entrado. Atou a corda a cintura e o mercador o puxou de volta a superfície. Contou ao mercador o que havia acontecido nas profundezas do poço, e a caravana retornou a viagem. No caminho cruzara com outro mercador, que voltava para a cidade de Gambar.

– Por favor, amigo –disse-lhe Gambar – leve essas frutas para minha mulher a princesa. Conte-lhe que penso nela o tempo todo e que logo voltarei para a casa.

Assim que chegou à cidade o mercador procurou pela princesa e entregou-lhe as três romãs. Sabendo que era um presente de Gambar, ela ficou muito feliz e colocou as frutas sobre a mesa. Pegou uma faca e abriu uma delas. Seu espanto foi enorme: umbrilho de finos raios de luz surgiu de dentro da romã e espalhou-se pela sala, iluminando-a toda. Em vez dos pequenos e suculentos gominhos vermelhos, havia lá dentro pérolas purrissímas, uma do lado da outra. Ela partiu a segunda fruta, e lá estavam rubis e esmeraldas. Partiu a terceira e lá dentro encontrou valiosos diamantes.

La longe onde estava, Gambar não agüentou mais de tanta saudade da sua princesa. Despediu-se do mercador, recebeu o que lhe era devido pelo seu trabalho e tomou o caminho de volta para a casa. Pareceu-lhe desta vez ser um caminho mais longo, já que era grande o seu desejo de voltar para casa. Finalmente ele avistou um campo de trigo que ficava nos arredores de sua cidade e passou por um grande rebanho de carneiros. Gambar perguntou ao pastor de quem eram aqueles carneiros

– Senhor ele respondeu respeitosamente – estes carneiros, pertencem a Gambar, o marido da princesa.

Gambar não entendeu a resposta e pensou que o homem deveria estar fazendo alguma confusão. Sem dar muita importância ao assunto, já que tudo o que ele queria era encontrar a princesa, continuou pelo caminho, atravessou o rio que margeava pela cidade e foi se aproximando alegremente de sua entrada. Encontrou muitas vacas pastando perto dos muros da cidade e perguntou a um homem que passava de quem era aquelas vacas.

– Gambar, o marido da princesa, é dono de todas elas – respondeu o homem.

Desta vez Gambar se inquietou. O que estaria acontecendo com aquelas pessoas? A mesma resposta sem sentido, duas vezes seguidas, ele pensou. Que explicação haveria para tamanha loucura?

Ele entrou na cidade e, ao virar a esquina onde costumava ver sua pequena casa de taipa, parou estarrecido. A casa não estava mais lá. No seu lugar havia um imenso palácio de mármore e janelas de ouro, uma cúpula cor de esmeralda com arabescos de prata, muito mais suntuoso do que o palácio real.

– O que fizeram com a minha princesa? -, ele pensou angustiado. – Para onde ela foi?

Ele resolveu entrar no palácio para ver se alguém saberia informar alguma coisa sobre sua mulher, e atravessou o pátio deserto com o coração apertado. Avistou uma porta fechada, feita de madeira finamente entalhada, e parou diante dela, antes de bater, ouviu do outro lado uma doce voz de mulher que dizia bem baixinho:

– Meu filho como você é parecido com seu pai.

– Quando é que ele vai voltar? – perguntou uma voz de menino pequeno –  tenho muita vontade de conhecer meu pai.

– Alguma coisa me diz que ele já passou pelo nosso campo de trigo – disse a mulher. – Que também já viu nossos carneiros, já atravessou o rio, encontrou todas as nossas vacas, já chegou ao nosso palácio e está atrás da porta, quer ver?

A princesa abriu a porta e seus olhosbrilharam como o sol da manhã.

Guiado pelo fio invisível do amor de uma princesa que sempre soube o que queria, o cesteiro Gambar voltou para casa. São e salvo, transformado num outro homem, pai de um belo menino, depois de uma longa viagem.

Autor desconhecido

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